Tenho uma criança a quem a psicomotricidade interessava. E agora?

Por econchasadmin19 em

Tenho uma criança a quem a psicomotricidade interessava. E agora?

O meu percurso profissional ainda é muito recente, e ainda consigo usar apenas os dedos de uma mão para saber há quantos anos letivos trabalho, de forma consistente, em clínicas e em escolas com as “minhas” crianças. Mas mesmo sendo o meu percurso tão curto, o reconhecimento da psicomotricidade tem crescido largamente e já é hoje comum ter professores que reconhecem o nome e a pertinência, assim como pais e outros membros da comunidade educativa.

Mas ainda assim, vários pais, professores, educadores ou mesmo instituições de atividades extra-curriculares, que reconhecem a nossa importância e que se lembram daquela ou da outra criança, ficam confusos sobre por onde começar para a criança ter acesso à psicomotricidade, e os obstáculos por vezes parecem tantos que o encaminhamento acaba por nunca acontecer.

Por isso, venho aqui contar aqui um pouco da minha experiência. Reforço muito que é a minha experiência e as áreas em que trabalho, ou seja, relacionado com a psicomotricidade em crianças em jardim de infância ou idade escolar, com um grande foco nas dificuldades de aprendizagem, nas necessidades educativas especiais e na saúde mental infantil, em contexto clínica privada, escola e domicílio.

Tal como tantos profissionais de saúde e educação, também nós temos um campo de intervenção enorme, com colegas na vertente educativa e de prevenção, colegas em instituições públicas, em SPSS e em públicos tão, tão variados. E todas essas vias são importantíssimas e legítimas para uma criança ter apoio. Contudo, não posso falar sobre elas, visto não serem a minha realidade. Por isso, venho trazer-vos o que conheço e as vias pelas quais me chegam crianças.

Gostaria de começar pela mais fácil: o domicílio. Muitas vezes neste caso os pais têm já alguma suspeita, algum diagnóstico ou alguma chamada de atenção por parte da escola, conhecem a psicomotricidade e faz-lhes sentido. Neste caso, encontram um profissional que esteja disponível e entram em contacto diretamente com eles, de forma a marcar uma avaliação inicial (a não ser que esta já exista realizada por um outro colega). Após a avaliação, existe normalmente uma reunião para discutir a pertinência do acompanhamento terapêutico e para estabelecer objetivos. Se tudo apontar para a necessidade de acompanhamento, o apoio pode começar no domicílio, consoante os objetivos e os horários combinados.

Esta modalidade pode também ser recomendada por algum médico do desenvolvimento ou de uma outra especialidade (pedopsiquiatria, entre outros) que acompanhe a criança. O domicílio tem várias vantagens, permitindo o trabalho também com a família e num ambiente que é familiar à criança e significativo. No entanto, pode não ser a resposta para todas as crianças. Algumas crianças apresentam uma maior dificuldade em estabelecer limites ou reconhecer o seu espaço privado como um espaço terapêutico. Nesse caso, o acompanhamento num espaço neutro será mais seguro para a criança e para o trabalho dos objetivos.

Neste caso, poderemos falar do acompanhamento em clínica. A clínica pode ser escolhida segundo vários critérios, como por exemplo, conhecer-se a clínica anteriormente, encaminhamento interno, conhecer o profissional que lá trabalha, entre outros. E mesmo o motivo de encaminhamento pode ser médico, por iniciativa dos pais ou por sugestão de professores. Neste caso existe também uma avaliação e reunião posterior para discutir objetivos e necessidades terapêuticas, começando o acompanhamento de seguida, consoante o acordado.

Neste caso, o espaço é puramente terapêutico, permitindo à criança dividir os vários espaços, reconhecendo a clínica como o seu local seguro. Contudo, é um espaço estranho onde não existe, ou existe muito pouco, paralelismo para o seu quotidiano. Desta forma é possível que o transfer do que está a ser trabalhado para a vida quotidiana não seja tão evidente, visto a criança reconhecer a clínica como um local estranho e sem algo de significativo que a ligue com a sua vida fora da clínica.

Por fim, muitos dos acompanhamentos que me são passados acontecem na escola. Neste caso os professores são a palavra chave. Os professores ou educadores que acompanham a criança sinalizam a criança, encaminhando para uma avaliação orientada para os aspetos assinalados, sempre com a aprovação dos pais ou cuidadores. Após a avaliação decide-se a pertinência do acompanhamento, as várias possibilidades de o fazer e ainda a disponibilidade da escola para receber a terapia.

Existem várias vantagens em ter o apoio na escola. Primeiro, a nível de horário e de disponibilidade, uma vez que a criança já está na escola, basta combinar um horário disponível, poupando a criança o tempo de deslocamento e o de encarar a terapia como algo fora ou extra. Ainda, a criança entende a escola como um espaço de aprender, estando propícia para tal, mesmo durante a terapia. E, finalmente, indo de encontro com o ponto anterior, é um espaço significativo para a criança, e como tal, facilmente o transfer é feito da sala terapêutica para o espaço envolvente, facilitando ainda a comunicação com os vários intervenientes.

Ainda assim, existem também desvantagens, sobretudo consoante o perfil da criança. Para começar, a criança fica mais exposta, uma vez que os colegas vêm criança a sair do seu ambiente, ou do seu recreio. Para algumas crianças esta experiência é mais complicada de gerir, podendo colocar a terapia em causa… Ainda, caso a vivência escolar não seja tão positiva, esse negativismo pode também ser levado para a sessão, minando a confiança a ser estabelecida. E finalmente, existe a questão logística, uma vez que uma escola tem a função primordial das aulas e que nem sempre é fácil encontrar um local que seja adequado às necessidades da criança.

Em qualquer uma das opções existe um caminho de diálogo a ser estabelecido com os vários intervenientes na vida da criança e existem vantagens e desvantagens. O importante a reter é que este é um caminho a ser talhado pelo terapeuta, pela criança, pelos pais e pelos restantes intervenientes, tendo sempre o interesse superior da criança em mente. Por isso não é, nem pode ser um espaço fechado, pelo contrário, é um trabalho de equipa para levarmos a criança sempre mais longe.

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